Publicado por: jgnrocaz | 26 de Abril de 2009

A Rede e o Self

O indivíduo parece ter evoluído de um mundo claustrofóbico controlado pela ameaça de um “big brother” para um mundo em que as realidades são virtualmente construídas por “máquinas” que lhes permitem as vivências mais díspares, num individualismo sem precedentes, a-histórico, mais do tipo “Matrix”.


A aparente ambiguidade dos conceitos de rede não terão de conduzir, necessariamente, a equívocos, até porque como conclui Castells “…a tecnologia não determina a sociedade” – no sentido de um determinismo incontornável. O próprio dispositivo tecnológico condiciona e enforma a organização social: dir-se-ia que a infraestrutura tecnológica estrutura a sociedade que lhe toma o modelo e se desenvolve em interacção, paralela e complementarmente. O que remete para o valor instrumental da tecnologia, já que se desenvolve e evolui também com o contributo da sociedade, quando reproduz o processo de criação e inovação tecnológica e os factores da envolvente necessários ao seu bom sucesso, a intervenção do complexo militar-industrial-académico e o crescendo de intervenção de entidades, pessoas e instituições a um nível crescentemente global, num processo de democratização do acesso à tecnologia.

Tal como aconteceu no passado, é o substrato tecnológico que condiciona a sociedade que, por sua vez, se adapta aos recursos e processos que a tecnologia lhe permite. Mas a tecnologia procura responder às necessidades manifestas de cada sociedade, numa interpenetração espiralar. Desde as “sociedades de caça e recolecção”, passando pelas “sociedades pastoris”, “agrárias”, “tradicionais”, “industriais”, para adoptar a classificação de Giddens, assiste-se a um fenómeno de complexidade crescente das sociedades, das suas relações (sociais, económicas, políticas, etc), que chegam a coexistir nos seus vários estágios, em que a tecnologia desempenha um papel estrutural e nivelador já que além de ser um elemento caracterizador da própria sociedade, a sua difusão acelera os processos transformacionais das demais sociedades, sem contudo implicar um modelo único de sociedade, o que pressupõe que as sociedades exercem como que um processo de interpretação e adaptação da tecnologia.

A sociedade em rede é o modelo mais recente, não direi acabado pois é impossível vislumbrar onde é que isto vai acabar, dada a crescente velocidade a que evolui a tecnologia, gerando novas necessidades societais a que procura corresponder, disposta em rede com cobertura a nível planetário, e não só, permitindo “fluxos globais de capital, produtos, serviços, tecnologia, comunicação e informação” (Giddens), em tempo real, instantâneo, a ritmos diferenciados, de acordo com lógicas e estratégias geo-económicas e geo-políticas que criam novas assimetrias traduzíveis na “libertação paralela de forças consideráveis da revolução da informação e, por outro, na consolidação de buracos negros de miséria humana na economia global”.

Resultante também da “transformação geral do sistema capitalista”, potenciada pela mesma “revolução informacional” (Castells), transformação transversal da sociedade com base nas TIC, a fronteira entre o lícito e o ílicito tem-se vindo a esbater, apoiada numa rede mundial de “offshores” que escapam aos tradicionais esquemas de controlo e regulação estatais, alimentando acções das organizações criminosas e das redes do terrorismos de diversas matrizes, globalizados.

Mas se, por um lado o Estado soberano parece mergulhado numa crise assente na crescente permeabilidade que os fluxos referidos acima potenciam e de que as tecnologias de informação e comunicações são o veículo por excelência, estas mesmas tecnologias podem servir de instrumento ao próprio Estado para, de forma mais eficaz e eficiente, controlar todos os aspectos da res publica e, até privada! Num processo centralizador sem precedentes, em que se institui como charneira entre as clivagens de cariz individual, subnacional, supranacional e globalizante. Exemplos como os EUA, a China, a Índia, a Rússia, etc, demonstram claramente que os Estados não estão na disposição de abdicar das respectivas soberanias nem dos conceitos e interesses associados.

O indivíduo parece ter evoluído de um mundo claustrofóbico controlado pela ameaça de um “big brother” para um mundo em que as realidades são virtualmente construídas por “máquinas” que lhes permitem as vivências mais díspares, num individualismo sem precedentes, a-histórico, mais do tipo “Matrix”.


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